O que existe de mais fascinante na montagem de um rádio de galena é a infinita possibilidade de coisas que podem ser aprendidas com esta experiência. A teoria que explica o funcionamento de um rádio deste tipo é basicamente a mesma que explica a transmissão e recepção de rádio e TV como é feita hoje.
Nota: Não deixe de olhar a página com a BIBLIOGRAFIA que consultei para produzir este material. Você vai se surpreender com a idade dos livros!
Ondas e Energia
Você já deve ter atirado uma pedra em um lago, e mesmo que não o tenha feito, deve ter observado algum efeito semelhante. Quando atiramos uma pedra na água, ela agita a superfície da água na forma de ondas. Estas ondas, na verdade, carregam a energia gerada pela queda da pedra na água até a beira do lago - se continuarmos analisando, vamos ver que esta energia na verdade é correspondente a que você gastou para tirar a pedra do chão e atirá-la no lago. Não é difícil notar que as ondas formam círculos a partir do ponto onde a pedra caiu, e também que a altura das ondas vai diminuindo a medida que se afastam do ponto onde a pedra caiu. Imagine uma folha que flutua perto de onde a pedra caiu e outra mais afastada: ambas irão subir e descer na água em função das ondas geradas pela queda da pedra, mas a que estiver mais próxima do centro irá subir e descer mais do que a que estiver afastada. Aqui você já pode observar dois conceitos importantes: Comprimento de Onda e Amplitude de Onda.
Se você puder tirar uma boa foto da superfície do lago, você poderá "medir" a distância entre duas cristas (partes mais altas) consecutivas das ondas que se iniciaram com a queda da pedra. Esta distância é o comprimento de onda. Medindo a altura entre o que corresponde ao lago em repouso e a mais alta (crista) de uma onda você tem a Amplitude de Onda.
A figura abaixo, extraída da definição de onda na Wikipedia ilustra melhor o que dissemos acima:
1=Elementos de uma onda
2=Distância
3=Deslocamento
λ=Comprimento de onda
γ=Amplitude
Uma coisa interessante que você vai notar se conseguir fazer esta experiência é que a Amplitude de Onda diminui a medida que nos afastamos do local onde a pedra caiu, mas o Comprimento de Onda é constante, ele é o mesmo que medimos entre quaisquer duas cristas de onda consecutivas. Agora, ao invés de fotografar, imagine que você está filmando uma folha que está na superfície do lago. Contando durante um segundo o tempo em que a folha sobe e desce com as ondas geradas pela pedra (conte cada vez que a folha atinge o ponto mais alto) temos o que chamamos de Freqüência. Freqüência e comprimento de onda andam juntos - um é função do outro e de um valor constante que depende do meio em que a onda está se propaga. Para atiçar a sua curiosidade, uma mesma pedra jogada em um lago de água doce ou de água salgada irá gerar ondas diferentes - na água salgada o comprimento de onda será maior e a freqüência menor.
Ondas Sonoras
Imagine um tambor sendo tocado. Ficar perto dele pode ser ensurdecedor, mas a medida que nos afastamos o som diminui - da mesma forma que a Amplitude de Onda diminui a medida que as ondas se afastam da pedra jogada no lago. O som também se propaga através de ondas, só que as ondas sonoras viajam pelo ar. É um pouco mais difícil de imaginar, pois na água podemos ver as ondas e no ar não. Na água, as ondas geradas pela pedra são bem visíveis na fórmula de círculos em sua superfície. No ar, ao invés de círculos, as ondas formam esferas invisíveis. Se pudéssemos "cortar" uma fatia fina de ar desde o ponto onde o tambor está sendo tocado, até o ponto onde o ouvimos veríamos que o comportamento das ondas no ar é muito parecido ao das ondas na superfície da água.
No ar, as ondas sonoras viajam a uma velocidade aproximada de 330 metros por segundo. Assim, se você ficar a 330 metros do tambor (e seu volume for suficientemente alto) você ouvirá o som um segundo depois de ele ter sido tocado.
Nossa orelha é um excelente aparelho receptor sonoro. Dentro dela existe uma membrana chamada tímpano que vibra em conjunto com as ondas sonoras que vêm pelo ar. O tímpano está ligado a um conjunto de pequenos ossos que transmitem aos nervos ligados ao cérebro tudo aquilo que ouvimos. O nosso conjunto receptor de som (ouvido, tímpano e todo o sistema que leva informações ao nosso cérebro) é apenas capaz de tratar ondas sonoras com comprimentos de onda aproximadamente entre 16 centímetros e 8 metros. Cachorros conseguem ouvir sons com comprimentos de onda bem menores, por isto não conseguimos ouvir apitos para chamar cachorros.
Conheça mais sobre a audição na Wikipedia.
Um pouco de matemática
Já sabemos que o som viaja no ar a uma velocidade de aproximadamente 330 metros por segundo. Quantas vezes então uma pequena partícula de poeira "vibra" no ar em um segundo se o som que estamos ouvindo é de uma onda com 8 metros de comprimento? A resposta é:
Número
de Vezes = |
330 metros por segundo
----------------------
8 metros
|
O resultado é aproximadamente 41 vezes por segundo. Ao nome "vezes por segundo" convencionou-se chamar Hertz - a unidade de medida de freqüência. Complicado? Imagine então que você pudesse "cortar" um pedaço de onda. Marque duas cristas consecutivas e corte. Depois conte quantas vezes em 330 metros você consegue colar este pedaço de onda - o número de vezes é a freqüência.
Se sabemos a freqüência de um som usamos a fórmula contrária para descobrirmos o comprimento de onda. Vamos imaginar uma freqüência de 20.000 Hertz (o limite máximo de vezes por segundo em que uma onda vibra e que nossa audição consegue ouvir). Qual será o comprimento de onda?
Comprimento
de Onda = |
330 metros por segundo
----------------------
20.000 vezes por segundo
|
O resultado será 16 centímetros e meio.
Quanto maior a freqüência, mais agudo será o som. Uma flauta emite sons numa freqüência muito mais alta que um contrabaixo.
Ondas Eletromagnéticas
No parágrafo acima, quando falamos de ondas sonoras, você já teve que exercitar sua imaginação na analogia com as ondas na superfície de um lago. Com as ondas eletromagéticas a analogia pode ser mantida. Um bom exemplo de onda eletromagnética é a luz. A luz se propaga em todas as distâncias, mas não precisa de nenhum meio físico para isto. Veja a luz do Sol, por exemplo. Para chegar até a Terra a luz do Sol percorre um imenso vazio, o vácuo. Ondas eletromagnéticas de alta freqüência (e você já sabe, pequeno comprimento de onda) podem viajar grandes distâncias, e é por isto que são usadas na transmissão de rádio. Como vimos anteriormente, a questão da amplitude da onda continua sendo verdadeira para as ondas eletromagnéticas, ou seja, quanto mais distante estivermos de sua fonte, menor será a amplitude da onda. No caso da luz, isto significa que quanto mais distantes estivermos da fonte luminosa, menos seremos iluminados.
As ondas eletromagnéticas viajam a velocidade de 300.000.000 metros por segundo, ou 300.000 quilômetros por segundo. Como você já sabe, nosso ouvido é um bom receptor de ondas sonoras. Aos nossos olhos cabe a função de ver ondas eletromagnéticas. Cada cor que vemos tem uma freqüência específica. Assim como nosso ouvido que é capaz apenas de entender uma faixa de freqüências sonoras, nossos olhos também só são capazes de entender uma certa faixa de freqüências eletromagnéticas. Os sistemas de controle remoto, por exemplo, emitem um feixe de luz (chamada infravermelho) que não conseguimos enxergar. A grosso modo podemos dizer que as ondas de rádio também são um tipo de luz que não enxergamos.
A freqüência de transmissão de rádio em Ondas Médias varia entre 540 e 1600 KHz (1 KHz é igual a 1.000 Hertz, ou ciclos por segundo). A freqüência de Ondas Curtas está acima de 3.8 MHz (1 MHz é igual a 1.000.000 Hertz). Agora você já descobriu o porque dos nomes Ondas Médias e Ondas Curtas, certo?
Não vou explicar agora o porque, mas conforme a freqüência da onda de rádio ela pode atingir distâncias maiores ou menores. Estações de Ondas Médias normalmente cobrem algumas centenas de quilômetros. As de Ondas Curtas podem cobrir todo o planeta. E as rádios de FM? Bom, aí já é outra história que um dia eu conto...
A Viagem do Som
Já sabemos que ondas eletromagnéticas de alta freqüência - ondas de rádio - podem cobrir grandes distâncias, mas não conseguimos ouvir ondas eletromagnéticas. Como é então que o som chega até o nosso rádio? Este processo é chamado Modulação. Para a transmissão típica em ondas médias e curtas, a Modulação é feita na amplitude da onda de rádio. Confuso? Olhe a ilustração abaixo:
Em (A) temos a representação da freqüência de uma onda de rádio, em (B) a representação de uma onda sonora. Para que a onda sonora possa viajar grandes distâncias, fazemos com que ela seja carregada pela onda de rádio. Note em (C), a parte de baixo e de cima da onda de rádio foram modificadas de acordo com a onda sonora. A amplitude (distância entre a crista e o vale da onda) da onda de rádio acompanha a onda sonora. Todo este processo é feito na estação transmissora de rádio. A Wikipidia possui um excelente artigo sobre este assunto.
Para simplificar as coisas, vamos olhar um esquema completo de um rádio de galena, e depois estudar cada componente:
Existe uma infinidade de estações de rádio, todas transmitindo seus sinais ao mesmo tempo, mas em freqüências diferentes. A primeira etapa de nosso rádio (A) deve selecionar qual a estação que queremos ouvir através de um processo de sintonia. Em (B) queremos separar apenas uma metade da onda de rádio que usaremos para extrair a onda sonora. Em (C) separamos o sinal elétrico equivalente a onda sonora que iremos ouvir. Em (D) o processo se completa através de um componente capaz de transformar sinais elétricos em sinais sonoros - o fone de cristal.
Note que a energia transportada pelas ondas de rádio é suficiente para gerar a eletricidade que o rádio de galena precisa para funcionar, desde que todos os componentes consumam muito pouca energia, como é o caso. O filtro em (C) não chega a ser necessário porque como o fone de cristal não é capaz de reproduzir a alta freqüência da onda eletromagnética, ele mesmo se encarrega de reproduzir apenas o sinal sonoro que é transportado por ela. Isto ajuda a entender a necessidade da retificação - note que se isto não fosse feito, o fone de cristal iria ter que reproduzir dois sinais de audio - um equivalente a parte superior da onda de rádio e outro (idêntico) equivalente a parte inferior - que se anulariam. Você pode estar se perguntando porque então a modulação em amplitude não é feita apenas no lado de cima da onda de rádio. Existem várias razões para isto, começando pelo fato de que os circuitos de transmissão fazem mais naturalmente a modulação em ambos os lados da onda de rádio (quem sabe um dia explico isto melhor) - mas da maneira como é feito, podemos mudar a polaridade do retificador que o sinal se áudio obtido será o mesmo, o que não aconteceria de outra forma.
Vamos analisar agora cada um dos componentes do nosso rádio.
Sintonia
Esta é de longe a parte mais difícil de explicar e entender. Caso você toque violão - ou conheça alguém que o faça - vale a pena fazer esta experiência (os dois violões devem estar devidamente afinados): Coloque um violão de frente para o outro e toque bem forte uma corda (com as mais grossas é mais fácil de notar o efeito) - você vai notar que a mesma corda do outro violão também vibra, como se ela também tivesse sido tocada. Isto acontece com cada uma das cordas que você tocar porque, estando os dois violões afinados, cada corda entra em "ressonância" ou "sintonia" com a outra.
O Professor Léo ainda contribui com mais uma sugestão: "Coloque sobre a corda mais grossa de um dos violões um 'cavaleiro de papel' (tirinha de papel dobrada um V). Ao tanger a corda mais grossa do outro violão esse cavaleiro de papel começa a pular evidenciando a ressonância."
Para ouvirmos uma estação de rádio, temos que fazer com que ele esteja "afinado" no mesmo comprimento de onda da estação transmissora. Isto pode ser feito aumentando ou diminuindo o tamanho da bobina (através do nosso seletor que desliza sobre ela) ou através de um circuito ressonante (com o capacitor variável que propus na montagem). Continuando a analogia do violão, a bobina corresponde a uma corda do violão e o capacitor ao quanto "apertamos" a corda.
Mais matemática
A propriedade da bobina (ou indutor) é chamada "Indutância" e a do capacitor "capacitância". A indutância é medida em Henries e a Capacitância em Farads. Não se importe muito com estes nomes agora, mas saiba que os valores do capacitor e da bobina é que determinam o comprimento de onda que sintonizamos através da seguinte fórmula:
Como normalmente utilizamos mais a freqüência do que o comprimento de onda quando falamos de estações de rádio, basta inverter a fórmula (ATENÇÃO - Esta fórmula vale apenas para ondas eletromagnéticas!). Assim, para acharmos a freqüência de sintonia (ou ressonância) de um circuito formado por um capacitor e uma bobina utilizamos a seguinte fórmula:
Não vou fazer nenhum cálculo usando esta fórmula, mas apenas chamar a atenção para o fato de que quanto maior for o valor da bobina ou do capacitor, menor será o valor da freqüência sintonizada, e vice-versa. Conforme combinamos valores de bobinas e capacitores podemos sintonizar estações de rádio de ondas médias até curtas. O rádio
de galena que você montou é um rádio de ondas médias.
Nota: A nossa antena tem também propriedades de indutor e capacitor que irão influenciar na sintonia. Se usarmos o sintonizador de antena sugerido também na montagem, ele também irá influenciar na freqüência sintonizada. Ou seja, apesar da fórmula acima estar correta, podem existir em nosso projeto outros indutores e capacitores "disfarçados" influenciando na sintonia. A prática ajuda a determinar a melhor forma de combinar bobinas, capacitores, antenas, etc.
Retificação (ou Detecção)
É muito comum vermos na literatura sobre rádios de galena a palavra "detector" ou "detector de cristal" para o componente capaz de retificar a onda de rádio, fazendo com que só a porção "positiva" da onda siga adiante no circuito. É deste componente que vem o nome genérico (e hoje até impróprio) de Rádio de Galena ou Rádio de Cristal. Galena é um tipo de óxido de chumbo encontrado na natureza na forma de cristal. A galena (assim como outros cristais) possui propriedades semicondutoras - ou seja, é capaz de fazer com que sinais elétricos que passam por ela só passem em uma direção. Por isto que o sinal de rádio, após passar pelo retificador, fica só "com o pedaço de cima".
Uma pausa para a Corrente Elétrica
Você já deve saber que um átomo é como se fosse um pequeno sistema solar, com prótons e nêutrons presos em seu núcleo e elétrons "orbitando" ao redor. Nos metais, os elétrons que tem uma órbita mais distante do núcleo são tão livres que eles ficam voando livremente entre os vários átomos que fazem um fio de cobre, por exemplo. Se você pudesse colocar uma etiqueta em cada elétron com um nome que você inventaria para cada um deles veria que eles ficam trocando de lugar por toda a superfício do fio. Quando ligamos uma pilha às duas pontas do fio, os elétrons passam a correr do polo negativo da pilha até o positivo. Se você inverter a pilha, os elétrons fazem o caminho contrário. Se colocamos um retificador no meio do fio (como um diodo) os elétrons só poderão correr para um lado.
Você pode fazer esta experiência - mas use um diodo de silício ao invés de germânio - as lojas de componentes eletrônicos saberão qual recomendar. O diodo de germânio é muito sensível e pode ser danificado se você ligá-lo a uma pilha.
As ondas eletromagnéticas geradas nas estações de rádio transportam energia com capacidade de fazer com que os elétrons em sua antena movimentem-se. A etapa de sintonia de seu rádio faz com que estes elétrons movimentem-se dentro do circuito do seu rádio apenas em conjunto (em sintonia) com a freqüência da estação que desejamos escutar, e a etapa de retificação, o diodo, faz com que os elétrons apenas se movimentem em uma direção.
Filtragem
Como dissemos antes, esta etapa é opcional, uma vez que independente da freqüência de transmissão da estação de rádio, o fone de cristal só será capaz de reproduzir o sinal de áudio que esta onda transporta. A melhor maneira de explicar o filtro (outro capacitor) é imaginar que ele é capaz de "segurar" os elétrons por algum tempo, antes que eles sejam capazes de ir e voltar acompanhando a freqüência
da onda de rádio. O sinal resultante é o que teríamos se imaginássemos um surfista em cima desta onda, cuja prancha seja ligeiramente maior do que a distância entre as cristas de duas ondas consecutivas. Difícil de imaginar? Olhe novamente a figura abaixo e veja a diferença entre a onda após o retificador (B) e após o capacitor de filtro em (C).
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