A paz da falta de luz

Nesta semana eu trabalhava no escritório da BrodTec, logo em seguida do almoço, e faltou luz. O notebook até tem uma bateria que segura algumas horas, mas o roteador wireless não. Foi bem no momento em que eu buscava algumas informações para completar um relatório e concluía as perguntas da entrevista que eu estava fazendo com o Dries Buytaert, criador do Drupal para o portal da Latinoware.

Já passava das três da tarde e eu ainda não havia almoçado. Esquentei, no fogão, em banho maria um arroz com carne louca. A diferença de temperatura deve ter sido a culpada pelo estilhaçamento do prato fundo. Tentei limpar os cacos ao máximo mas ainda mastiguei uns pedaços de vidro junto com o arroz.

Nada da luz voltar, deitei-me no sofá. Aproveitei para ordenar as ideias na cabeça por, no máximo, uns dez minutos, quando caí em um sono profundo. Dormi um sono sem sonhos, direto, por mais de duas horas. Acordei apenas a tempo de voltar para casa, tomar um banho e ir falar sobre a Internet das Coisas (e outras coisas) na aula do Rodrigo Brod na Univates.

Nestas duas horas e pouco o celular não tocou. A luz até voltou mas sem fazer alarde e, mesmo sem ter sonhado com nada, acordei com uma sensação de minha infância e adolescência. De gastar todas as energias em um passeio de bicicleta e cair morto de cansado na sala da casa de minha avó, ouvindo a conversa amiga da parentada e os barulhos familiares da casa antiga.

Parece que faz tanto tempo tudo isso, mas não é tanto tempo assim. Em pouco mais de quarenta anos vi a eletrola de meu avô ser substituída pelo CD Player, discos de vinil virando brinquedo ou lixo; a enorme antena "espinha-de-peixe" que pegava a RBS TV de Porto Alegre virar primeiro uma antena parabólica, depois uma mini parabólica para a recepção digital; as cartas que trocávamos em família virarem emails carregados de apresentações no formato PPS.

Em nossas férias de infância e adolescência faltava muita luz em Arroio do Meio. Quando isso acontecia, era a coisa mais linda do mundo! Juntávamo-nos todos ao redor do cinamomo com o chimarrão e os violões e podíamos apreciar a via láctea em todo o seu fulgor. A falta de luz não era motivo de desespero, mas de alegria e confraternização.

Nesta semana faltou luz e fui dormir. Como se não houvesse outra alternativa ou como se eu só pudesse curtir um sono verdadeiro quando não houvesse possibilidade de estar online. Prometi para mim mesmo que ao menos duas horas por semana, daqui para a frente, vou desligar os disjuntores de casa, o celular e ficar olhando a céu na varanda do apartamento. Chimarrão e violão em punho, vou dar vazão a todo um tempo onde estar permanentemente conectado não era importante e sequer era uma possibilidade.

Publicado originalmente no Dicas-L.

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