Meu avô, meu pai e as greves

Meu pai sempre trabalhou na iniciativa privada, salvo um início de carreira na Prefeitura de Arroio do Meio. Meu avô foi militar, funcionário da Carris do tempo dos bondes em Porto Alegre, autodidata, torneiro mecânico e dendoin da Seicho-No-Ie. Em um determinado momento da minha vida meu avô foi grevista na empresa em que meu pai trabalhava. Isto foi em uma época bem parecida com a que alguns países latinoamericanos vivem agora. Eu e minha irmã ouvíamos acaloradas discussões durante as refeições, sempre com a recomendação de que não comentássemos nada na escola. Afinal, haviam os infiltrados que ficavam de olho em tudo e a gente não queria ver ninguém da família na cadeia, no DOI-CODI ou outro lugar ainda pior. Eu tinha mais medo de infiltrados do que do bicho-papão.

Mas seu Anselmo (meu pai) e seu Estácio (meu avô) debatiam e meio que negociavam, em casa, aquilo que poderia ser a solução de uma greve: uma proposta positiva dos dois lados, uma solução ganha-ganha. Não vou enfeitar dizendo que a coisa era bonita. Não era. Era um arranca-rabos que, muitas vezes, fazia com que minha mãe e minha avó nos tirassem da mesa das refeições com "ais-meu-deus", achando que a coisa descambaria para o atraque físico.

No final das contas, ali em casa, na mesa, as coisas meio que se resolviam. Meu avô propunha a seus companheiros algo que ele sabia que a empresa poderia aceitar, enquanto meu pai negociava com os donos da empresa, usando os elementos que ele e meu avô haviam combinado. Eram coisas muito simples, sempre. Aliás, a resposta para o mundo, o universo e todas as coisas é sempre algo simples: 42! O importante, mesmo, é saber qual a pergunta.

Com muito orgulho trabalho, hoje, no Governo Federal. Ou seja, meus leitores estão pagando o meu salário, junto com milhões de pessoas que nem me conhecem. Aí, como funcionário público novato, passo a observar as greves de uma forma diferente. Mas, diga-se não de passagem, reconheço e apoio o direito de greve. Em minha vida empresarial já neguei-me a prestar serviços por falta de pagamento ou por pagamento que julguei injusto, independente da fonte pagadora.

Ainda sinto falta, porém, daquela coisa que eu via acontecer entre meu pai e meu avô. A real negociação na busca de uma solução. Segundo um artigo recente do UOL, existem 9,4 milhões de funcionários públicos no Brasil nas três esferas de governo. Como trabalho em um órgão do governo que defende o software público e livre, sou meio suspeito para falar sobre esse assunto. Mas, vira e mexe, recebemos uma requisição de alguma pessoa ou órgão que deseja comprar algum software proprietário para que seja utilizado por um dos 9,4 milhões de funcionários. Que este software custe um só pila (e, normalmente, custa mais), imagina se todos resolvem querer a mesma coisa. E que esta mesma coisa tenha que ter sua licença renovada a cada dois anos.

Assim, minha recomendação aos grevistas é que pensem em negociar seu ganho salarial propondo uma economia real ao governo. O PAC é a bola da vez. Aproveitem! Eu não tenho nem ideia do número de funcionários públicos que ainda usam softwares proprietários em seus computadores, mas se uma pequena percentagem dos 9,4 milhões topar usar softwares livres e públicos e incentivar seus órgãos contratantes a fazerem o mesmo, eu imagino que a quantidade de dinheiro que ficará em nosso país, além de ser destinada ao PAC, terá reflexo no salário de cada funcionário público.

Posso até estar delirando, mas que 9,4 milhões têm uma força de mudança, têm. Só meu pai e meu avô fizeram tanta coisa e eram só dois...

Publicado originalmente no Dicas-L.



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