Ficção Científica? #13

Reuben. Era esse seu nome. Ele não deveria saber disto. Não deveria ter memórias de quando havia sido Reuben. Doara seu cérebro para um bem maior. Sua capacidade de raciocínio privilegiada e todo o seu conhecimento deveriam servir à preservação da espécie humana. Ainda tinha a consciência de seu desprendimento, de sua opção magnânima, mas sentia-se incompleto. Talvez a falta de um desafio intelectual fizera sua mente cair novamente em necessidades básicas demais. Talvez tenha sido a falta de crítica do outro cérebro, anteriormente conectado ao dele, agora morto.

Monitorava Iran, sua saúde. Mantivera-o em estase talvez por tempo demais. Questionava suas ações. Invejava o fato de Iran ter um corpo, poder mover-se e explorar o planeta cuja visão os sensores externos sequer proporcionavam agora. Quando decidira, finalmente, por acordá-lo, não suportou por muito tempo suas perguntas e decidiu que ele deveria ficar mais tempo em estase. Uma decisão egoísta. Não tinha como saber quanto tempo ainda duraria a conexão cerebral com Iran e tinha que explorá-la. Não entendia exatamente como, mas o acidente, algo no planeta, alguma coisa, permitia que visitasse o cérebro em estase de Iran como quem visita uma biblioteca. Explorou suas memórias, sua inteligência, conheceu as técnicas de Ziembinski aprimoradas pelos exercícios de Iran e Freitas e o compartimento fechado onde sabia que Iran protegia algo importante. Mas haviam muitos compartimentos abertos. Reuben pôde colocar neles suas próprias lembranças de livros que lera, coisas que vivera e pôde comprovar que Iran as interpretava como sonhos.

A velocidade da conexão entre o cérebro em estase de Iran e o cérebro em ebulição de Reuben era a velocidade do pensamento. Tinha que ser rápido mesmo. Reuben sentia que teria pouco tempo e um instinto primitivo exigia que se preservasse. Os componentes da unidade reserva para a montagem do módulo planetário, seus coletores de energia e recicladores orgânicos teriam a única missão de alimentar um cérebro por muitos anos. O que faria com todos estes anos ainda não sabia, mas tinha que se preservar. Iran ficaria sem a unidade reserva, mas levaria anos até precisar dela, se precisasse. Além disto, Reuben iria garantir que a memória que Iran tinha da unidade reserva ficasse escondida, ao menos enquanto não necessitasse dela.

Reuben tinha que levar a experiência de Ziembinski além do limite de seu cérebro. Iria aproveitar a conexão do cérebro com Iran para plantar nele sua própria consciência, ao menos pelo tempo necessário para garantir sua preservação. Não podia dar-se ao luxo de falhar.

Entre o despertar de Iran, no 67.o dia a partir da queda no planeta, e o dia D, Reuben experimentou com sonhos. Plantou em Iran vários sonhos onde ele sentia sensações de queda, onde brigava, onde corria. Observou a reação de seu corpo aos sonhos e fez todos os ajustes de que precisava. No 100.o dia uma consciência desenvolvida por Reuben tomou conta das ações de Iran que, meticulosamente, explorou o planeta, encontrou um esconderijo em uma caverna onde montou o compartimento com o cérebro de Reuben e seu suporte à vida, ajustou os coletores de energia em local discreto, do lado de fora da caverna e retornou à sua câmara de estase. Reuben ainda garantiu que Iran estivesse devidamente acomodado e, pela última vez, utilizou a conexão cerebral com Iran para plantar-lhe as últimas informações que considerou relevante. A partir de agora teria apenas que, muito pacientemente, esperar.

(Leia também os capítulos anteriores)

Artigo produzido para o Dicas-L



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