Crítica, Liderança e Crescimento - Final

Dona Ione, minha mãe, diz que eu sou meio louco da cabeça, que arrisco demais. Meu pai, seu Anselmo, concorda. Aliás, acho que muita gente que me conhece vai concordar também.

Como muitos, eu também gostaria de ter sabido muito do que eu sei hoje nas várias situações pelas quais passei no passado. Mas ao mesmo tempo eu me pergunto: o que aconteceria se eu soubesse? Eu certamente teria agido de maneira diferente e muitas das coisas das quais eu pude desfrutar, que levaram-me a aprender mais e a conhecer mais lugares e pessoas interessantes poderiam não ter acontecido. Isto eu nunca vou saber.

Os que trabalharam sob minha liderança vão concordar que eu sempre incentivei e insisti na formação acadêmica. Isto vem diretamente do meu trauma de ainda não ter concluído, até hoje, a minha própria graduação. Os motivos são vários mas, somados os anos em que passei em cursos universitários eu até acredito que, com um esforcinho a mais, eu poderia ter concluído a minha graduação. Por outro lado sou forçado a ver que a ênfase que dei à minha vida profissional - aproveitando a época em que a reserva de mercado no Brasil acabara e deixando (não sem uma dor no coração) o curso de Física de lado - levou-me a cursos e treinamentos profissionais junto a fornecedores de tecnologia, em vários lugares do mundo. Considero-me muito favorecido, engrandecido e agradecido por todas estas oportunidades.

Em função disso eu busquei propiciar aos que trabalhavam comigo esta "experiência de mundo", enquanto mantinham sua vida acadêmica. Tenho o maior orgulho de ter feito gente de Travesseiro, Santa Clara, Imigrante, Poço das Antas e outros recantos embarcarem pela primeira vez em um avião para vários lugares do Brasil, Alemanha, Austrália, África do Sul e outros. Mas, cada vez mais, fui aprendendo que a verdadeira posição de um líder não é a de evitar que seus liderados passem pelos mesmos traumas que passou ou fique construindo, para eles, aquilo que considera ser o melhor caminho. Por isso, apaixonei-me pelas metodologias de desenvolvimento ágil e, em especial, o Scrum. O bom líder apenas remove obstáculos e deixa que as soluções emerjam dentro do processo mais natural e criativo possível. Isto também não quer dizer deixar tudo ao "Deus dará" e assumir uma posição cômoda. A analogia que me vem à mente é a de uma locomotiva com seu limpa-trilhos, energicamente levando seus ocupantes a um destino, com o detalhe que a definição deste destino é dada por seus próprios ocupantes: os membros de um projeto (cliente incluso!), um grupo de pesquisa, os alunos de uma sala de aula.

Eu acredito que a matéria inorgânica tende à entropia, à desagregação e à matéria orgânica tende à ordem, à união. Quando acontece ao contrário algo vai contra a natureza. Tudo o que é vivo cresce naturalmente. Foi assim desde que naquele caldo primitivo caiu um raio e uma molécula besta viu que podia duplicar-se a aí chegamos onde estamos, com um grau de sofisticação e organização molecular e celular sempre crescente. O pensamento, essa secreção do nosso cérebro, também evoluiu a ponto de nos permitir criar a roda e, depois, a internet e tudo o que nela existe. A mente de uma pessoa está sempre predisposta a criar algo a mais e ao líder cabe permitir que esta predisposição se torne real. É difícil, mas todo o líder deve oportunizar crescimentos, liberar potenciais, tirar os obstáculos do caminho e não ser, ele mesmo, um obstáculo. Mas o fato é que um líder aprende a sê-lo sendo. A experiência (e o conjunto de seus próprios líderes) é que formam efetivamente um líder. Assim, muitos liderados são cobaias neste processo pelo qual é impossível passar sem erros. O que eu espero é que os meus erros tenham também servido como exemplos a não serem seguidos por aqueles que passaram pela minha liderança na época em que eu aprendia do riscado. E como este é um aprendizado constante, já peço desculpa aos que eventualmente sofrerem com as minhas futuras mancadas e adianto a qualquer um que for meu líder em um projeto qualquer que pode contar com meu apoio e compreensão. Porque tem muito disso: a gente às vezes lidera, às vezes é liderado e, idealmente, deveria andar cada vez mais lado a lado com muita gente.

Na medida em que vamos ficando mais velhos a gente tende a se achar mais maduro e sábio. Mas eu acho que a verdadeira sabedoria é ganhar idade vencendo o comodismo e a preguiça. Mais uma coisa sobre a qual é muito mais fácil falar do que fazer. A gente começa a cansar de ouvir as mesmas perguntas e repetir as mesmas respostas, fica mais difícil de abandonar as várias áreas de conforto que nós mesmos vamos criando, tendemos a ficar uns chatos.

No centro de treinamento da Tandem, em Cupertino, tive muitas aulas com um professor havaiano chamado Ron Gapol. Outros que, depois, trabalharam comigo foram, também, alunos dele. Comentávamos sobre a maravilha que era a aula dele e, ao mesmo tempo, era engraçado ver que tal aula repetia-se a cada uma de suas ocorrências: conteúdo exatamente igual, piadas e brincadeiras exatamente iguais. Um dia o Ron chamou-me para ajudá-lo a configurar um laboratório para novos alunos que estavam chegando e perguntei a ele como ele não se cansava de ministrar, eternamente, as mesmas aulas. Ele respondeu-me que aquilo que ele falava à frente dos alunos era apenas uma parte do que constituía a sua aula, que ela era formada, de fato, por todos aqueles que dela participavam e, por isso, sempre era diferente. Ele disse-me que sua maior motivação era sempre surpreender, com o conteúdo o mais bem preparado possível, aquele aluno que estava conhecendo, pela primeira vez o assunto: "É um brilho no olhar diferente que recebo de cada novo aluno, isto é o meu combustível para cada nova aula!", diz Ron. Gostaria muito de saber por onde ele anda hoje. A notícia mais recente que tive é a de que ele havia retornado ao Havaí.

Eu tinha a impressão de que o Ron não mudava. Hoje eu acho que ele tinha levado sua aula a um nível tão próximo da perfeição justamente por, gradualmente, ir acomodando a ela vários pequenos elementos que vinham da observação atenta de cada pergunta de seus alunos. Ele também dizia que, ouvindo atentamente, nenhuma pergunta é igual a outra. Bons mestres, como ele, também insistem na máxima de que a pergunta estúpida é aquela que deixamos de fazer.

Brinco que cheguei a uma idade em que não mudo mais. O problema é que não é tão brincadeira assim. Sou cheio de manias e sempre há espaço para mais uma. A coisa mais fácil para mim é gostar de alguma coisa e, por isso, querer fazer com que ela se torne mais uma na minha coleção de rotinas. Tem gente que diz que beiro perigosamente o transtorno obsessivo compulsivo, mas acho que não é para tanto. Meu remédio para estas manias é buscar trabalhar com pessoas e projetos que sempre me provoquem, me desafiem. Além disso, secretamente, para mim mesmo, espelho-me no Ron Gapol e tento ir aplicando a mim mesmo pequenas e constantes mudanças (muitas a partir de boas críticas) que passam imperceptíveis aos olhos dos outros mas que, espero, me tornem uma pessoa melhor.

Eu espero que meus leitores não tenham chegado ao final deste artigo esperando um conselho! Mas aos que chegaram, apenas digo que tudo o que a gente tem que ser diligente na nossa aprendizagem e que livros existem para serem lidos. Nenhuma leitura é feita em excesso, muito pelo contrário: sempre há mais coisa boa a ser lida do que tudo o que seremos capazes de ler. A leitura aumenta nossa capacidade de ouvir e nada é melhor do que uma boa discussão, bem embasada, para aprender ainda mais - por isso uma boa sala de aula deve propiciar estas discussões. Dar um tempo para a cabeça para que o aprendizado se sedimente e novas ideias surjam também é bom: o ócio e a preguiça só são inimigos quando em excesso. Toda a pergunta é nova desde que a gente a ouça direito. Um bom líder cresce ao fazer sua equipe crescer junto e não há como não errar neste processo. Ouvir críticas está no mesmo grau de importância de assumir riscos e, muitas vezes, ao se considerar críticas demais perdem-se oportunidades por não se assumir um risco aqui ou outro ali. Tudo isso é muito óbvio, mas como são justamente das coisas óbvias que nós mais esquecemos, sempre é bom repetir.

Enfim, nesta série de quatro artigos eu fiz um resumão da minha própria aprendizagem, com a esperança, como eu disse lá no primeiro, de que sirva para mais alguém! Para mim serviu como uma baita revisão e preparação para muita coisa que ainda vem pela frente.

Este é mais um artigo para a Joice Käfer, minha sócia, com quem aprendo muito mais do que ela imagina!

Artigo publicado no Dicas-L



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